sexta-feira, 19 de novembro de 2010

crisálida

Não entendia das letras e nem de toda aquela caça às palavras à qual ele dedicava inteiras e longas tardes. Era mulher dos pontos de bordado, cosendo a sua própria imaginação e alimentando sua paixão por aquele único ofício que aprendeu na vida. Admirava-o pelo oculto que se escondia naquele seu olhar nostálgico e distante. Era também o seu modo inusitado de respirar e de enfrentar os costumes de sua cercania. Sem dúvida, alguém que muito lhe interessava e fazia despertar-lhe a vontade de descoberta, o desejo de compreender aquela misteriosa coisa a que chamavam poesia. Era escritor. Escrevia poemas e daquilo vivia. Brincava com as palavras, inalando-as através do tempo, o que para muitos podia ser considerado ocioso e enfadonho. Para ela, era segredo e fantasia. E sob o desígnio da curiosidade, desbravou o impasse do impossível, partindo para a conquista daquele que acreditava ser o dono do seu destino. Tratou de buscar a leitura poética dos grandes nomes da época como fonte primeira do horizonte da escrita que o influenciava. Estava disposta a ir além dos olhares que trocavam a todo instante. Embalada pelos versos que logo aprendeu e desatinou a decifrar, pôde iniciar-se no mundo literato em que seu homem vivia imergido, para com ele compartilhar da intensidade que movia o jogo de palavras. Mesmo quando não se falavam, aprenderam a criar uma cumplicidade afável, da que permitia sobreviver no tato e no olfato dos sentimentos. De frente um pro outro, apenas contemplavam aqueles momentos de silêncio em que sabia ser capaz de encontrarem-se em pensamento, perdidos por entre os ditos e os não ditos daqueles poemas que agora possuíam outro sentido. O verdadeiro sentido que ele buscou em sua composição, a inspiração de um pulsar nervoso e calmo das pálpebras ao coração. Foi nela que a sua escrita adquiriu a melhor forma e desempenho, fadada a contagiar os que por perto estivessem, quebrando tabus e vencendo barreiras, preconceitos e o orgulho, tão presente nas mentes dos que viviam enclausurados no porão das convenções. Construíram juntos o cenário lúdico de uma realidade que, de tão intensa, durou pouco de tempo e bastante de amor. Ele logo adoeceu, anunciando a brevidade do contato que perfez com a mulher de seu ideal poético. Numa despedida dramática e bonita, montaram o enredo de seu futuro imaginário, para que quando fosse outra vez primavera, os seus corpos se encontrarem sadios e fervorosos. Foi-se para longe na tentativa de cura, o que não prosperou. Pouco depois, morreu sozinho e escrevendo, sob o frio suor de uma tenebrosa febre. Deixou poemas recém-nascidos e, certamente, alguém a dedicar o resto dos dias a nutri-los com o afinco de quem ama aquilo que produz com o afeto do sentir. A sua mulher, em alma e ventre, habilidosa com as mãos e resignada com o infortúnio da perda.

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