sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

plúrima

Era o cansaço, que se antecipava sempre à hora de falar-te sobre a percepção do nosso gostar escancarado e das pequenas coisas que nos aproximava de uma forma gostosa e estranha. Era a saudade, de ter-te diariamente, que impedia as tentativas de começar uma conversa menos casual e talvez chatear-te pela seriedade de certas palavras e de certos sentimentos, de alguma maneira, entediantes. Era o medo de dizer-te tudo numa hora errada e, de repente, afastar-te de mim por tempo maior ainda que as longas semanas que já se seguiam normalmente sem ti. Era qualquer desculpa pra não encarar a verdade que se estampava em teus atos, em tuas saídas, em todo o teu sorrir-e-falar compulsivamente. Em nossa convivência feliz. A triste verdade: nosso tempo havia passado. O de sermos sinceros um com outro, sem deixar implícita a tensão sexual quando contávamos nossos casos. O tempo de nos amarmos verdadeiramente enquanto homem e mulher. Decerto nos unimos pela atração física, pela vontade de nos termos, de nos tocarmos, de nos investigarmos reciprocamente. Mas nos tornamos amigos antes mesmo de acontecer qualquer coisa. Fomos abertos demais, abrindo o coração de uma forma que não se abre pra ninguém, senão já perto da morte, quando temos uma porção de histórias pra contar. Mas desabafamos logo nas primeiras horas, como numa velha cumplicidade, das que acontecem na proporção de uma em um milhão. Conheci toda a tua família e teus amigos mais próximos na primeira conversa, posta a tua admirável capacidade de descrever cada detalhe sem tornar-te cansativa. Descobrimos nossos interesses em comum, e eram tantos. Como não me sentir admirado - ou apaixonado - por uma mulher que sobrepunha entre os seus assuntos a música, a literatura e o cinema? Naquele dia mesmo criamos o laço invisível da afinidade. Fazia tempo que não conhecia alguém tão interessante. E eras tu, aquela mulher de cabelos castanhos claros, leve e magra, com olhar de poesia, usando um bonito vestido de cores claras. A superficialidade passava longe de ti, como se estivesse alheia à frivolidade dos tempos modernos. Uma vez contei-te, talvez indiretamente, mas claramente, que um dos fatores de maior relevância na atração de um homem por uma mulher era a capacidade de se manterem atentos às palavras, aos olhares, aos gestos, ao que fazia ser a razão dos movimentos e dos sentimentos um do outro. Foi naquela hora que me certifiquei daquela tola teoria, ao sentir que descobria em ti, a essência do que te sustentava e do que te guiava na vida. Estava descobrindo uma mulher de verdade. Uma mulher com aqueles atributos bonitos de independência e de opinião certa. Tinhas personalidade, era isso que eu constatava mais e mais ao te ter à vista, ao te ouvir atentamente. E era o que muito me fazia querer manter intermináveis falatórios contigo. Logo eu que gostava de pouco falar. Contigo era diferente. Havia fundamento, sentido, sentimento. Tua companhia sempre tão agradável e essencial. Ir ao cinema, ao café da esquina, à beira do mar. De mãos dadas: era assim que sempre estávamos e estamos. Perto ou longe, sei que nos pomos a pensar no que compartilhar na próxima aventura, no próximo conto de dramas e romances com finais engraçados e infelizes. Somos tão ligados e difíceis. Somos tão homem e mulher imperfeitos. Somos tão amantes da liberdade e das bebedeiras sem fim. Assim, tão párias, que talvez só funcionemos juntos na amizade mesmo. Se eu fosse definir-te em uma frase, diria: és a tradução da multiplicidade do amor.

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