quinta-feira, 18 de novembro de 2010


Voltei ao livro e senti as palavras fugirem-me diante do olhar. As palavras, nervosas, agitavam-se como se quisessem sair da página e desaparecer numa liberdade de palavras evadidas no céu. Baixei o livro e olhei para a frente. A montanha diante de mim, a paisagem toda, os últimos pássaros, o jardim e as ervas, tudo continuava na mesma. Fechei o livro com um dedo a marcar a página e vi que era o livro inteiro que tremia. Aquele livro estivera, durante anos, na biblioteca. A sua lombada azul estivera na segunda prateleira, logo em frente da porta, durante anos. A sua lombada azul estivera durante anos entre livros de lombadas vermelhas. Quando eu era pequeno e brincava com os meus carrinhos, arrastava-o pelas prateleiras, que eram auto-estradas, e dos livros, que eram casas altas, aquele livro de lombada azul era sempre a minha casa. Eu segurava o meu carrinho entre o indicador e o polegar e levava-o até à minha casa que era aquele livro de lombada azul, estacionava ao lado das outras casas vermelhas e, na minha imaginação, entrava em casa, ficava a dormir numa noite que passava em segundos e voltava a entrar no meu carrinho e voltava a conduzi-lo pelas auto-estradas das prateleiras. Era esse livro que tremia na minha mão. José Luís Peixoto.


Um comentário:

  1. pisco os olhos e já não são os olhos pisados de tantas histórias vistas, mas um quarto de quatro. de quatro olhos? um olho. um olho cego, vagueando pela escuridão dos sonhos.

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